O advogado e professor Ricardo Campos alerta sobre os cuidados para evitar cair em uma fake news.
Não é incomum a divulgação de boatos sem qualquer fundo de verdade. Mas com a utilização em massa das redes sociais, esse tipo de publicação popularizou-se. A divulgação de notícias falsas, as tão conhecidas fake news, tem grande poder na sociedade, podendo impactar, inclusive, na economia e na política de uma nação. Por isso, a regulação de uma legislação forte se faz cada vez mais necessária.
É o que defende o advogado, consultor jurídico e professor assistente na faculdade de direito alemã, Goethe Universität Frankfurt am Main, Ricardo Campos.
Com extensa experiência em consultoria para empresas europeias de tecnologia, especialmente nas áreas de proteção de dados e automação de processos industriais, recentemente ele publicou o livro Fake news e regulação, dentro da coleção Estado e Direito em Transformação, em que principais especialistas do Brasil e da Alemanha se debruçam sobre o tema da regulação das redes sociais.
Nesta entrevista, Ricardo, que é natural de Lavras, alerta sobre os principais problemas que uma fake news pode causar, inclusive ao cidadão comum. Para ele, a melhor prevenção ainda é ler e se informar.
Como surgem as fake news e como elas viralizam?
Importante notar que notícias fraudulentas e boatos sempre existiram. O que muda é a infraestrutura pelas quais eles circulam. Com isso também se transformam as condições de possibilidade do Direito atuar de forma a mediar a relação entre esfera pública e direitos de personalidade.
Como as fakes news podem afetar desde o cidadão comum até a política de um país?
Já dizia um grande sociólogo alemão chamado Niklas Luhmann: “Tudo o que nós sabemos sobre o mundo, sabemos através dos meios de comunicação de massa“. O que mudou nos dias de hoje é que tudo o que sabemos, sabemos pelas redes sociais e não mais pelos meios de comunicação em massa. Com isso, os mecanismos de controle da informação mudaram. Com as redes sociais têm-se a possibilidade de interferir nas eleições em outro país, pois o ambiente digital, diferentemente dos canais de televisão e dos jornais impressos, não possuem uma limitação pelas barreiras dos estados nacionais. O fluxo de informação é transnacional.
Hoje, no Brasil, há algum tipo de legislação vigente?
Temos o marco civil da internet de 2012 que regulamenta questões ligadas aos intermediários na internet, os quais realmente detém o poder. Mas esse marco civil já não consegue abranger os novos problemas. Nele, há uma reserva de jurisdição para questão de conteúdo ilícito – só se tira conteúdo, em regra, por meio de decisão judicial. Agora, imagina nos dias atuais, até o indivíduo entrar na justiça e ganhar algo, a lesão já foi feita e é irreparável, pois até mesmo o direito de resposta no contexto das redes sociais tende a
ser ineficaz.
Como surgiu a ideia de escrever um livro sobre o tema fake news a partir das perspectivas jurídica e política?
Como eu dou aulas na Goethe Universität Frankfurt am Main e já tinha contato com a discussão aqui na Alemanha sobre o assunto, resolvi juntar os principais autores da Alemanha e do Brasil sobre o assunto. O livro acabou sendo um sucesso.
Existe diferença do movimento entre o que vivemos no Brasil e na Europa?
Não existe uma diferença, existe um abismo. A cultura jurídico-política é diferente. Na Alemanha, o sistema político tenta sempre antever grandes mudanças legislando antecipadamente nesses casos. No Brasil, mesmo depois de uma catástrofe, pouco acontece em termos de legislação. Por isso, resolvi escrever um projeto de lei para regulação de fake news para o contexto brasileiro junto com um renomado professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP), chamado Juliano Maranhão. Fomos chamados no início de novembro de 2018 para discutir o tema no Ministério da Ciência e Tecnologia. O projeto agora vai para tramitação no Congresso Nacional.
“Com as redes sociais têm-se a possibilidade de interferir nas eleições em outro país”
Nas eleições brasileiras o tema fake news esteve em pauta o tempo todo. Estamos vivendo uma mudança comportamental?
Acho que ninguém pesquisa algo que recebe pelo WhatsApp ou Facebook. Não se pode partir desse parâmetro, não é realístico. Volto a repetir: tudo o que nós sabemos sobre o mundo, sabemos através das redes sociais. Isso é um fato. Por isso é necessário olhar mais para a estrutura dos intermediários na internet e estabelecer parâmetros para que tornem a esfera pública saudável e plural.
Combater as fake news é responsabilidade de quem?
Sem dúvida deve ser uma ação multifocal. Porém, não pensar numa forma inteligente de compatibilizar a liberdade de impressão com uma esfera pública saudável, sem manipulações em massa, através de novas formas de responsabilidade jurídica dos intermediários da internet, como Facebook, seria fechar os olhos para uma realidade com novos perigos que o Direito tradicional não mais consegue combater de forma eficiente.
O que você recomenda para um cidadão se informar corretamente e não ser enganado?
Não há segredo. A fórmula é simples, antiga e pouco tecnológica: muita leitura. Especialmente de algo que morre aos poucos depois da popularização do smartphone: os livros. Nos dias de hoje você conhece alguém do seu convívio que comprou e leu um livro até o fim? Na sociedade digital e dos mêmes, a informação de qualidade não tem mais valor.— IPÊ